No último fim de semana aconteceu o 1º Festival Cultura Digital do Rio de Janeiro, no Circo Voador. Na programação, robótica, software livre, Pure Data, propriedade intelectual, pirataria, liberdade, danças populares, maculelê...
Danças populares, maculelê e cultura digital!?
Achei interessante e fui investigar a relação.
O evento não era de Cultura Digital pura e simplesmente, mas sim de Cultura Digital Livre. E isso muda muita coisa.
A Cultura Digital Livre defende e promove o uso do software livre e a ampliação infinita da circulação de informação e criação. Busca elevar ao máximo as possibilidades de acesso, autonomia e autoria de todos que estão nela inseridos. Além disso, também busca a transformação da própria sociedade e das formas de relação dentro dela.
A filosofia da Cultura Digital Livre é da meritocracia; só cresce dentro dela quem se esforça para aprender e contribuir. Toda essa liberdade, portanto, acaba por exigir conhecimento profundo das novas linguagens e tecnologias e, principalmente, envolvimento humano (mesmo que através da máquina). Você pode não pagar, mas para estar inserido, precisa contribuir.
- Na Cultura Digital Livre o importante não é o dinheiro, o importante é o mérito. Você precisa estar inserido. Qualquer um pode entrar, mas quanto menos você fizer, menos você é respeitado, menos você aprende, menos você constrói e menos você tem acesso – explica Tadzia Maya, uma das organizadoras do evento.
Por conta disso muitas iniciativas, tanto do governo, quanto da sociedade civil organizada vêm promovendo a capacitação em tecnologias da informação de jovens e adultos que vivem em áreas de exclusão. A finalidade não é só inserir essas pessoas no universo digital, mas possibilitar a contribuição desses novos agentes na elevação da capacidade tecnológica do país, já que dentro da Cultura Digital Livre todos podem e devem criar e recriar o universo já existente.
Nesse caso vai ficando mais fácil entender a relação entre Cultura Digital Livre e as culturas tradicionais, como o samba, a capoeira e o Jongo, que são construídas a partir das relações humanas, estão sempre em movimento e são baseadas na contribuição que cada um dá a elas.
- A cultura tradicional é uma cultura livre, pois sobreviveu sem nada, só através da transmissão oral. A Cultura Digital era o braço que faltava para o resgate e o fortalecimento de uma cultura ancestral – argumenta Luciane Menezes, cantora, pesquisadora e a facilitadora da oficina de danças e cantos tradicionais do evento.
A Cultura Digital Livre, portanto, se alimenta e se firma através dos valores tradicionais; e os movimentos da cultura tradicional se fortalecem com a Cultura Digital, pois encontram nela um canal aberto e democrático para se propagar e se fortalecer.
Direitos Autorais
Mas toda essa defesa por liberdade de difusão e acesso a cultura e a conteúdos diversos acaba esbarrando, inevitavelmente, na questão dos direitos autorais. A discussão sobre novas formas de licenciamento se faz, então, necessária.
- É muito importante o debate sobre cultura livre e direito autoral. Nós temos uma lei do direito autoral que é muito defasada e que criminaliza o usuário. É preciso mudar essa lei e entender que a cultura livre, que a cultura da gratuidade está emergindo – defende Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação da UFRJ, que participou da mesa de discussão “Ainda somos os mesmos e licenciamos como nossos pais?”, que aconteceu no primeiro dia do evento.
Para alguns esse discurso de liberdade e gratuidade não tem espaço dentro da sociedade capitalista.
- O fim da propriedade intelectual é utópico. Assim como existe a propriedade individual no capitalismo, sempre vai existir a propriedade intelectual. A partir do momento em que eu vivo das minhas criações, é claro que eu tenho que ter o direito sobre elas, assim como o marceneiro tem o direito de cobrar sobre seus produtos – defende a produtora de cinema Ana Alice de Moraes.
Mas o que certas experiências têm mostrado é que algumas vezes a liberação ao uso irrestrito de conteúdos dentro da internet, ou até mesmo fora dela, acaba por beneficiar o criador mais do que quando ele restringia o acesso à suas criações através das arcaicas leis de proteção.
É o caso apontado por outro participante da mesa, o cientista político Thiago Novaes.
- Os filmes Tropa de Elite e o Homem que Copiava que foram “lançados” de forma ilegal antes do lançamento oficial no cinema não impediram que estes obtivessem grandes bilheterias, muito pelo contrario – defende.
Outro caso é o do músico Bnegão que libera todas as suas músicas na Internet e por conta disso é ouvido em diversas partes do mundo, garantindo popularidade, venda de CD e também convites para a realização de shows. Tudo graças à participação, envolvimento e contribuição que ele faz dentro da rede. O mérito é reconhecido e ele se fortalece.
Será que em todos os casos isso aconteceria? É certo que não, mas fatos como esse demonstram que as antigas formas de lidar com a troca e o acesso à conteúdos, não garantem o retorno desejado e que o risco inicial da liberação e do livre compartilhamento pode garantir mais sucesso.
O cenário, em todo caso, está mudando rapidamente e mesmo que nem tudo se torne gratuito, como querem os que levantam a bandeira da Cultura Digital Livre, uma coisa é certa: quem não estiver envolvido, pouco acesso terá dentro do infinito da Cultura Digital, mesmo tendo bastante dinheiro para dar.
(Esse evento faz parte da programação do Pontão de Cultura Digital - título que foi conferido ao Circo em 2007 pelo Ministério da Cultura e que faz parte do programa Cultura Viva do Governo Federal.
Esse programa, criado em 2004, contempla iniciativas culturais que envolvem a comunidade em atividades de arte, cultura, cidadania e economia solidária e tem como objetivo promover a diversidade cultural.)
quinta-feira, 12 de março de 2009
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Cada vez mais se torna clara a necessidade de adaptação dos setores ligados à cultura ao novo contexto tecnológico. Lutar contra isso só vai prejudicar a criação artística como um todo.
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