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[*nota da autora, adicionada após muitos comentários e compartilhamentos desviando um pouco o sentido do texto: este é um texto de esquerda]
Começo
explicando que não ia postar este texto na internet. Com medo. Pode
parecer bobagem, mas um pressentimento me dizia que o papel impresso
seria melhor. O papel impresso garantiria maiores chances de as pessoas
lerem tudo, menores chances de copiarem trechos isolados destruindo todo
o raciocínio necessário.
Enquanto
forma de comunicação, o texto exige uma linearidade que é difícil.
Difícil transformar os fatos, as coisas que vi e vivi nos últimos dias
em texto. Estou falando aqui das ruas de São Paulo e da diferença entre o
que vejo acontecer e o que está sendo propagandeado nos meios de
comunicação e até mesmo em alguns blogs.
Talvez
essa dimensão da coisa me seja possível porque conheço realmente muita
gente, de vários círculos; talvez porque sempre tenha sido ligada à
militância política, desde adolescente; talvez porque tenha tido a
oportunidade de ir às ruas; talvez porque pude estar conectada na maior
parte do tempo. Não sei. Mas gostaria de compartilhar com vocês.
E
gostaria que, ao fim, me dissessem se estou louca. Eu espero
verdadeiramente que sim, pois a minha impressão é a de que tudo é muito
mais grave do que está parecendo.
Tentei
escrever este texto mais ou menos em ordem cronológica. Se não foi uma
boa estratégia, por favor me avisem e eu busco uma maneira melhor de
contar. Peço paciência. O texto é longo.
1. Contexto é bom e mantém a pauta no lugar
Hoje
é dia 18 de junho de 2013. Há uma semana, no dia 10, cerca de 5 mil
pessoas foram violentamente reprimidas pela Policia Militar paulista na
Avenida Paulista, símbolo da cidade de São Paulo. Com a transmissão dos
horrores provocados pela PM pela internet, muitas pessoas se mobilizaram
para participar do ato seguinte, que seria realizado no dia 13. A pauta
era a revogação no aumento das tarifas de ônibus, que já são caras e já
excluem diversos cidadãos de seu direito de ir e vir, frequentando a
própria cidade onde moram.
No dia 13, então, aconteceu a primeira coisa estranha, que acendeu uma luzinha amarela (quase vermelha de tão laranja) na minha cabeça: os editoriais da folha e do estadão aprovavam o que a PM tinha feito no dia 10 de junho e, mais do que isso, incentivavam ações violentas da pm “em nome do trânsito” [aliás, alguém me faz um documentário sensacional com esse título, faz favor? ]. Guardem essa informação.
Logo após esses editoriais, no fim do dia, a PM reprimiu cerca de 20mil pessoas.
Acompanhei tudo de casa, em outra cidade. Na primeira hora de
concentração para a manifestação foram presas 70 pessoas, por sua
intenção de participar do protesto. Essa intenção era identificada pela
PM com o agora famoso “porte de vinagre” (já que vinagre atenua efeitos
do gás lacrimogêneo). Muitas pessoas saíram feridas nesse dia e, com os
horrores novamente transmitidos - mas dessa vez também pelos grandes
meios de comunicação, inclusive esses dos editoriais da manhã, que
tiveram suas equipes de reportagem gravemente feridas -, muita gente se
mobilizou para o próximo ato.
2. Desonestidade pouca é bobagem
No próprio dia 13, à noite, aconteceu a segunda “coisa estranha”.
Logo no final da pancadaria na região da Paulista, sabíamos que o
próximo ato seria na segunda-feira, dia 17 de junho. Me incluíram num
evento no Facebook, com exatamente o mesmo nome dos eventos do MPL, as mesmas imagens, bandeiras, etc. Só
que marcado para sexta-feira, o dia seguinte. Eu dei “ok”, entrei no
evento, e comecei a reparar em posts muito, mas muito esquisitos.
Bandeiras que não eram as do MPL (que conheço desde adolescente),
discursos muito voltados à direita, entre outros. O que estava ali não era o projeto de cidade e de país que eu defendo, ou que o MPL defende.
Dei
uma olhada melhor: eram três pessoas que haviam criado o evento. Fucei o
pouco que fica público no perfil de cada um. Não encontrei nenhuma
postagem sobre nenhuma causa política. Apenas postagens sobre outros
assuntos. Lá no fim de um dos perfis, porém, encontrei uma postagem com
um grupo de pessoas em alguma das tais marchas contra a corrupção.
Alguma coisa com a palavra “Juventude”, não me lembro bem. Ficou claro que não tinha nada a ver com o MPL e, pior que isso, estavam tentando se passar pelo MPL.
Alguém
me deu um toque e observei que a descrição dizia o trajeto da
manifestação (coisa que o MPL nunca fez, até hoje, sabiamente). Além
disso, na descrição havia propostas como “ir ao prédio da rede globo” e
“cantar o hino nacional”, “todos vestidos de branco”. O alerta vermelho
novamente acendeu na minha cabeça. Hino nacional é coisa de
integralista, de fascista. Vestir branco é coisa de movimentos em geral
muito ou totalmente despolitizados. Basta um mínimo de perspectiva
histórica pra sacar. Pois bem.
Ajudei
a alertar sobre a desonestidade de quem quer que estivesse organizando
aquilo e meu alerta chegou a uma das pessoas que, parece, estavam
envolvidas nessa organização (ou conhecia quem estava). O discurso dela,
que conhece alguém que eu conheço, era totalmente despolitizado. Ela
falava em “paz”, “corrupção” e outras palavras de ordem vazias que não
representam reivindicação concreta alguma, e muito menos um projeto de
qualquer tipo para a sociedade, a cidade de São Paulo, etc. Mais
um pouco de perspectiva histórica e a gente entende no que é que
palavras de ordem e reivindicações vazias aleatórias acabam. Depois
de fazer essa breve mobilização na internet com várias outras pessoas,
acabaram mudando o nome e a foto do evento, no próprio dia 13 de noitão.
No dia seguinte transferiram o evento para a segunda-feira, “para unir
as forças”, diziam.
3. E o juiz apita! Começa a partida!
Seguiu-se
um final de semana extremamente violento em diversos lugares do país.
Era o início da Copa das Confederações e muitos manifestantes foram
protestar pelo direito de protestarem. O que houve em sp mostrou que
esse direito estava ameaçado. Além disso, com a tal “lei da copa”, uma
legislação provisória que vale durante os eventos da FIFA, em algumas
áreas publicas se tornam proibidas quaisquer tipos de manifestações
políticas. Quer dizer, mais uma ameaça a esse direito tão fundamental
numa [suposta] democracia.
No
final de semana as manifestações não foram tão grandes, mas
significativas em ao menos três cidades: Belo Horizonte, Brasília e Rio
de Janeiro. No DF e no RJ as polícias militares seguiram a receita
paulista e foram extremamente violentas. A polícia mineira, porém,
parecia um exemplo de atuação cidadã, que repassamos, compartilhamos e
apoiamos em redes sociais do lado de cá do sudeste.
Não me lembro bem, mas acho que foi no intervalo entre uma coisa e outra que percebi a terceira “coisa estranha”.
Um pouco depois do massacre na região da Paulista, e um pouco antes do
final de semana de horrores, mais um sinal: ficamos sabendo que uma
conhecida distante, depois do dia 13, pegou um ônibus para ir ao Rio de
Janeiro. Essa pessoa contou que a PM paulista parou o ônibus na estrada,
antes de sair do Estado de São Paulo. Mandaram os passageiros
descerem e policiais entraram no veículo. Quando os passageiros subiram
novamente, todas as coisas, bolsas, malas e mochilas estavam reviradas. A
policial perguntou a essa pessoa se ela tinha participado de algum dos
protestos. Pediu pra ver o celular e checou se havia vídeos, fotografias, etc.
Não à toa e no mesmo “clima”, conto pra vocês a quarta
“coisa estranha”: descobrimos que, após o ato em BH, um rapaz
identificado como uma das lideranças políticas de lá foi preso, em sua
casa. Parece que a nossa polícia exemplar não era tão exemplar
assim, mas agora ninguém compartilhava mais. Coisas semelhantes
aconteceram em Brasília, antes mesmo das manifestações começarem.
4. Sequestraram a pauta?
Então
veio a segunda-feira. Dia 17 de junho de 2013. Ontem. Havia muita gente
se prontificando a participar dos protestos, guias de segurança
compartilhados nas redes, gente montando pontos de apoio, etc. Uma
verdadeira mobilização para que muita gente se mobilizasse. Estávamos
otimistas.
Curiosamente,
os mesmos meios de comunicação conservadores que incentivaram as ações
violentas da PM na quinta-feira anterior (13) de manhã, em seus
editoriais, agora diziam que de fato as pessoas deveriam ir às ruas. Só
que com outras bandeiras. Isso não seria um problema, se as pessoas não
tivessem, de fato, ido à rua com as bandeiras pautadas por esses grupos
políticos (representados por esses meios de comunicação). O clima, na
segunda-feira, era outro. Era como se a manifestação não fosse política e
como se não estivesse acontecendo no mesmo planeta em que eu vivo. Meu
otimismo começou a decair.
A
pauta foi sequestrada por pessoas que estavam, havia alguns dias,
condenando os manifestantes por terem parado o trânsito, e que são parte
dos grupos sociais que sempre criminalizaram os movimentos sociais no
Brasil (representados por um pedaço da classe política, estatisticamente
o mais corrupto - não, não está nem perto de ser o PT -, e
pelos meios de comunicações que se beneficiam de uma política de
concessões da época da ditadura). De repente se falava em impeachment da
presidenta. As pessoas usavam a bandeira nacional e se pintavam de
verde e amarelo como ordenado por grandes figurões da mídia de massas,
colunistas de opinião extremamente populares e conservadores.
As
reações de militantes variavam. Houve quem achasse lindo, afinal de
contas, era o povo nas ruas. Houve quem desconfiasse. Houve quem se
revoltasse. Houve quem, entre todos os sentimentos possíveis, ficasse
absolutamente confuso. Qualquer levante popular em que a pauta não eh
muito definida cria uma situação de instabilidade política que pode
virar qualquer coisa. Vimos isso no início do Estado Novo e no golpe de
1964, ambos extremamente fascistas. Não quer dizer que desta vez seria
igual, mas a história me dizia pra ficar atenta.
5. Não, sequestraram o ato!
A
passeata do dia 17, segunda-feira, estava marcada para sair do Largo da
Batata, que fica numa das pontas da avenida Faria Lima. Não se sabia,
não havia decisão ainda, do que se faria depois. Aos que não entendem, a
falta de um trajeto pré-definido se justifica muito bem por duas
percepções: (i) a de que é fácil armar emboscadas para repressão quando
divulga-se o trajeto; e, (ii) mais importante do que isso, a percepção
de que são as pessoas se manifestando, na rua, que devem definir na hora
o que fazer. [e aqui, se vocês forem espertos, verão exatamente onde está a minha contradição - que não nego, também me confunde]
A
passeata parecia uma comemoração de final de copa do mundo. Irônico,
não? Começamos a teorizar (sem muita teoria) que talvez essa fosse a
única referência de manifestações públicas que as pessoas tivessem, em
massa:o futebol. Os gritos eram do futebol, as palavras de ordem eram do
futebol. Muitas camisetas também eram do futebol. Havia
inclusive uns imbecis soltando rojões, o que não é muito esperto pois
pode gerar muito pânico considerando que havia poucos dias muita gente
ali tinha sido bombardeada com gás lacrimogêneo. Havia pessoas brincando com fogo. [guardem essa informação do fogo também]
Agora uma pausa: vocês se lembram do fato estranho número dois? O
evento falso no facebook? Bom, o trajeto desse evento falso incluía a
Berrini, a ponte Estaiada e o palácio dos Bandeirantes, sede do governo
do Estado. Reparem só.
Quando a passeata chegou ao cruzamento da Faria Lima com a Juscelino, fomos
praticamente empurrados para o lado direito. Nessa hora achamos aquilo
muito esquisito. Em nossas cabeças, só fazia sentido ir à Paulista, onde
havíamos sido proibidos de entrar havia alguns dias. Era uma
questão de honra, de simbologia, de tudo. Resolvemos parar para
descobrir se havia gente indo para o lado oposto e subindo a Brigadeiro
até a Paulista. Umas amigas disseram que estavam na boca do túnel.
Avisei pra não irem pelo túnel que era roubada. Elas disseram então que
estavam seguindo a passeata pela ponte, atravessando a Marginal
Pinheiros.
Demoramos um
tanto pra descobrirmos, já prontos pra ir para casa broxados, que havia
gente subindo para o outro lado. Gente indo à esquerda. Era lá que
preferíamos estar. Encontramos um outro grupo de pessoas conhecidas e
amigas e seguimos juntos. As palavras de ordem não mudaram. Eram as
mesmas em todos os lugares. As pessoas reproduziam qualquer frase de
efeito tosca de maneira acrítica, sem pensar no que estavam dizendo.
Efeito “multidão”, deve ser.
As
frases me incomodaram muito. Nem uma só palavra sobre o governador que
ordenara à PM descer bala, cassetete e gás na galera havia poucos dias.
Que promove o genocídio da juventude negra nessa cidade todos os dias,
há 20 anos. Nem mesmo uma. Os culpados de todos os problemas do mundo,
para os verde-amarelos-bandeira-hino eram o prefeito e a presidenta. Ou
essas pessoas são ignorantes, ou são extremamente desonestas.
Nem
chegamos à Paulista, incomodados com aquilo. Fomos para casa nos
sentindo muito esquisitos. Aí então conseguimos entender que aquelas
pessoas do evento falso no facebook tinham conseguido de alguma maneira
manobrar uma parte muito grande de pessoas que queria ir se manifestar
em outro lugar. A falta de informação foi o que deu poder para esse
grupo naquele momento específico. Mas quem era esse grupo? Não sei
exatamente. Mas fiquei incomodada.
6. O centro em chamas.
Quem
diria que essa sensação bizarra e sem nome da segunda-feira faria todo
sentido no dia seguinte? Fez. Infelizmente fez. O dia seguinte, “hoje”,
dia 18 de junho de 2013, seria decisivo. Veríamos se as pessoas se
desmobilizariam, se a pauta da revogação do aumento se fortaleceria.
Essa era minha esperança que, infelizmente, não se confirmou. A partir
daqui são todos fatos recentes, enquanto escrevo e vou tentar
explica-los em ordem cronológica. Aviso que foram fazendo sentido aos
poucos, conforme falávamos com pessoas, ouvíamos relatos, descobríamos
novas informações. Essa é minha tentativa de relatar o que eu vi, vivi,
experienciei.
No fim da tarde, pegamos o
metrô Faria Lima lotadíssimo um pouco depois do horário marcado para a
manifestação. Perguntei na internet, em redes sociais, se o ato ainda
estava na concentração ou se estava andando, e para onde. Minha intenção
era saber em qual estação descer. Me disseram, tomando a
televisão como referencia (que é a referencia possível, já que não havia
um único comunicado oficial do MPL em lugar algum) que o ato estava na
prefeitura. Guardem essa informação.
Fomos então até o metrô República. Helicópteros diversos sobrevoavam a praça e reparei na quinta “coisa estranha”: quase não havia polícia. Acho que vimos uns três ou quatro controlando curiosamente a ENTRADA do metrô e não a saída… Quer dizer, quem entrasse no metro tinha mais chance de ser abordado do que quem estava saindo, ao contrário do dia 13.
A
manifestação estava passando ali e fomos seguindo, até que percebemos
que a prefeitura era outro lado. Para onde estavam indo essas pessoas?
Não sabíamos, mas pelos gritos, pelo clima de torcida de futebol,
sabíamos que não queríamos estar ali, endossando algo em que não
acreditávamos nem um pouco e que já estávamos julgando ser meio perigoso.
Quando passamos em frente à câmara de vereadores, a manifestação
começou a vaiar e xingar em massa. Oras, não foram eles também que
encheram aquela câmara com vereadores? O discurso de ser
“apolítico” ou “contra” a classe política serve a um único interesse, a
história e a sociologia nos mostram: o dos grupos conservadores para
continuarem tocando a estrutura social injusta como ela é, sem grandes
mudanças. Pois era esse o discurso repetido ali.
Resolvemos então descer pela rua Jandaia e tentar voltar à Sé, pois disseram nas redes sociais que o ato real, do MPL, estava no Parque Dom Pedro.
Como aquilo fazia mais sentido do que um monte de pessoas bem
esquisitas, com cartazes bem bizarros, subindo para a Paulista, lá fomos
nós.
Outro fato estranho, número seis: no meio da Rua Jandaia, num local bem visível para qualquer passante nos viadutos do centro, um colchão em chamas.
A manifestação sequer tinha passado ali. Uma rua deserta e um colchão
em chamas. Para quê? Que tipo de sinal era aquele? Quem estava mandando e
quem estava recebendo? Guardamos as mascaras de proteção com medo de
sermos culpados por algo que não sabíamos sequer de onde tinha vindo e
passamos rápido pela rua.
Cruzamos
com a mesma passeata, mais para cima, que vinha lá da região que fica
mais abaixo da Sé, mas não sabíamos ainda de onde. Atrás da catedral,
esperamos amigos. Uma amiga disse que o marido estava chateado porque
não conseguiu pegar trem na Vila Olímpia. Achamos normal, às vezes a
CPTM trava mesmo, daí essa porcaria de transporte e os protestos, etc.
pois bem. Guardem a informação.
Uma
amiga ligou dizendo que estava perto do teatro municipal e do Vale do
Anhangabaú, que estava “pegando fogo”. Imbecil que me sinto agora, na
hora achei que ela estava falando que estava cheio de gente, bacana,
legal. [que tonta!] Perguntei se era o ato do MPL, se tinha as faixas do MPL. Ela disse que sim mas não confiei muito. Resolvemos ir ver.
[A partir daqui todos os fatos são “estranhos”. Bem estranhos.]
O
clima no centro era muito tenso quando chegamos lá. Em nenhum dos
outros lugares estava tão tenso. Tudo muito esquisito sem sabermos bem o
quê. Os moradores de rua não estavam como quem está em suas casas. Os moradores de rua estavam atentos, em cantos, em grupos. Poucos dormiam.
Parecia noite de operação especial da PM (quem frequenta de verdade a
cidade de São Paulo, e não apenas o próprio bairro, sabe bem o que é
isso entre os moradores de rua).
Só que era ainda mais estranho: não havia polícia.
Não havia polícia no centro de São Paulo à noite. No meio de toda essa
onda. Não havia polícia alguma. Nadinha de nada, em lugar nenhum.
Na
Sé, descobrimos mais ou menos o caminho e fomos mais ou menos andando
perto de outras pessoas. Um grupo de franciscanos estava andando perto
de nós, também. Vimos uma fumaça preta. Fogo. MUITO fogo. Muito alto. O centro em chamas.
Tentamos
chegar mais perto e ver. Havia pessoas trepadas em construções com
latas de spray enquanto outros bradavam em volta daquela coisa queimando
que não conseguíamos identificar. Outro colchão? Os mesmos que deixaram o colchão queimando na Jandaia? Mas quem eram eles?
De
repente algumas pessoas gritaram e nós,mais outros e os franciscanos,
corremos achando que talvez o choque estaria avançando. Afinal de
contas, era óbvio que a polícia iria descer o cacete em quem tinha
levantado aquele fogaréu (aliás, será q ela só tinha visto agora, que
estava daquele tamanho todo?). Só que não.
Na corrida descobrimos que era a equipe da TV Record. Estavam fugindo do local - a multidão indo pra cima deles - depois de terem o carro da reportagem queimado. Não, não era um colchão. Era o carro de reportagem de uma rede de televisão.
O olhar no rosto da repórter me comoveu. Ela, como nós, não conseguia
encontrar muito sentido em tudo que estava acontecendo. Ao lado de onde
conversávamos, uns quatro policiais militares. Parados. Assistindo o fogo, a equipe sendo perseguida… Resolvemos dar no pé que bobos nós não somos. Tinha algo muito, mas muito errado (e estranho) ali.
Voltamos
andando bem rápido para a Sé, onde os moradores de rua continuavam
alertas, e os franciscanos tentavam recolher pertences caídos pelo chão
na fuga e se organizarem novamente para dar continuidade a sua missão.
Nós não fomos tão bravos e decidimos voltar para nossas casas.
7. Prelúdio de um… golpe?
No
metrô um aviso: as estações de trem estavam fechadas. É, pois é, aquela
coisa que havíamos falado antes e tal. Mal havíamos chegado em casa,
porém, uma conhecida posta no facebook que um amigo não
conseguiu chegar em lugar nenhum porque algumas pessoas invadiram os
trilhos da CPTM e várias estações ficaram paradas, fechadas. Não
era caos “normal” da CPTM, nem problemas “técnicos” como a moça
anunciava. Era de propósito. Seriam os mesmos do colchão, do carro da
Record?
Lemos,
em seguida, em redes sociais, que havia pessoas saqueando lojas e
destruindo bancos no centro. Sabíamos que eram o mesmos. Recebi um
relato de que uma ocupação de sem-teto foi alvo de tentativa (?) de
incêndio. Naquele momento sabíamos que, quem quer que estivesse
por trás do “caos” no centro, da depredação de ônibus na frente do
Palácio dos Bandeirantes no dia anterior, de tentativas de criar caos na
prefeitura, etc. não era o MPL. Também sabíamos que não era nenhum grupo de esquerda: gente de esquerda não quer exterminar sem-teto.
Esse plano é de outro grupo político, esse que manteve a PM funcionando
nos últimos 20 anos com a mesma estrutura da época da ditadura militar.
Algum tempo depois, mais uma notícia: em
Belo Horizonte, onde já se fala de chamar a Força Nacional e onde os
protestos foram violentíssimos na segunda-feira, havia ocorrido a mesma
coisa. Depredação total do centro da cidade, sem nenhum policial por perto. Nenhunzinho. Muito estranho.
Nessa
hora eu já estava convencida de que estamos diante de uma tentativa
muito séria de golpe, instauração de estado de exceção, ou algo do tipo.
Muito séria. Muito, muito, muito séria. Postei algumas coisas no facebook, vi que havia pessoas compartilhando da minha sensação. Sobretudo quem havia ido às ruas no dia de hoje.
Um pouquinho depois,
outra notícia: a nova embaixadora dos EUA no Brasil é a mesma
embaixadora que estava trabalhando no Paraguai quando deram um golpe de
estado em Fernando Lugo.
Me
perguntaram e eu não sei responder qual golpe, nem por que. Mas se o
debate pela desmilitarização da polícia e pelo fim da PM parece que
finalmente havia irrompido pelos portões da USP, esse seria um ótimo
motivo. Nem sempre um golpe é um golpe de Estado. Em 1989 vivemos um
golpe midiático de opinião pública, por exemplo. Pode ser que estejamos
diante de outro. Essa é a impressão que, ligando esses pontos, eu tenho.
Já
vieram me falar que supor golpe “desmobiliza” as pessoas, que ficam em
casa com medo. De forma alguma. Um “golpe” não são exércitos adentrando a
cidade. Não necessariamente. Um “golpe” pode estar baseado na ideia
errônea de que devemos apoiar todo e qualquer tipo de indignação, apenas
porque “o povo na rua é tão bonito!”.
Curiosamente,
quando falei sobre a manifestação do dia 13 com meus alunos, no dia 14,
vários deles me perguntaram se havia chances de golpes militares,
tomadas de poder, novas ditaduras. A minha resposta foi apenas uma, que
ainda sustento sobre este possível golpe de opinião pública/mídia: em
toda e qualquer tentativa de golpe, o que faz com que ela seja ou não
bem-sucedida é a resposta popular ao ataque. Em 1964, a resposta popular
foi o apoio e passamos a viver numa ditadura. Nos anos 2000, a reposta
do povo venezuelano à tentativa de golpe em Chávez foi a de rechaço, e a
democracia foi restabelecida.
O
ponto é que depende de nós. Depende de estarmos nas ruas apoiando as
bandeiras certas (e há pessoas se mobilizando para divulgar em tempo
real, de maneira eficaz, onde está o ato contra o aumento da passagem,
porque já não podemos dizer que é apenas “um” movimento, como fez Haddad
em sua entrevista coletiva). Depende de nos recusarmos a comprar toda e
qualquer informação. Depende de levantarmos e irmos ver com nossos
próprios olhos o que está acontecendo.
[update:
escrevi um pouco melhor sobre como eu acho que esse “golpe” continua se
desenhando; somando novas peças ao quebra-cabeças. leia aqui se interessar]
Se
essa sequencia de fatos faz sentido pra você, por favor leia e repasse o
papel. Faça uma cópia. Guarde. Compartilhe. Só peço o cuidado de
compartilharem sempre integralmente. Qualquer pessoa mal-intencionada
pode usar coisas que eu disse para outros fins. Não quero isso.
Quero apenas que vocês sigam minha linha de raciocínio e me digam: estamos mesmo diante da possibilidade iminente de um golpe?
Estou louca?